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Sociedade na Época Védica

A vida rural e agrária repousa numa sociedade camponesa do tipo patriarcal que oferece, também, traços de matriarcado e cujos atos principais são baseados no sacrifício. Se bem que desde o princípio as duas classes dos sacerdotes (brâmana) e dos nobres guerreiros (rajania ou xátria) sejam consideradas como dirigentes indiscutíveis, não nos parece que houvesse grande rigor na repartição da sociedade no início da época védica; mais tarde surge uma divisão mais nítida, formando-se, então, duas outras classes, a dos "homens livres" (vaicias) e a dos escravos (sudras). As castas, entretanto, não estão delimitadas ainda tão estritamente como nas épocas seguintes e não são ainda estanques; isto se verifica sobretudo nos Estados orientais, onde a arianização mais superficial e o aparecimento do budismo amenizam a rigidez propriamente bramânica.
Os dois Estados hereditários que se acham à frente da sociedade - o sacerdócio e a nobreza - estão estreitamente unidos e gozam de grande liberdade. Brâmames e xátrias podem, com efeito, exercer uma função agrícola ou comercial, ocupar-se de rebanhos ou de caravanas, esculpir madeiras etc.; podem, também, desposar mulheres de casta inferior, mesmo que sejam escravas. Mas com maior freqüência os brâmanes consagram-se unicamente ao ritual: seu poder consolidara-se tanto que ninguém podia dispensar-lhe o concurso, pois todo ato importante da vida individual, bem como da vida oficial, deve, necessariamente, ser acompanhado pelo sacrifício. Os brâmanes, "homens do sagrado", são os oficiantes permanentes; dirigem o ritual e percebem a metade dos honorários, enquanto a outra metade vai para os oficiantes ocasionais, cada um especializado em um ou em muitos atos rituais. Nas aldeias, em cada lar, cabe-lhes o desempenho do papel de um mágico médico. Entre eles é escolhido o capelão (puroíta) do rei que possui a mais alta função sacerdotal; nomeado pelo rei, acompanha-o nas suas mudanças de residência e mesmo na guerra, recita orações e encantamentos para garantir-lhe a vitória ou o êxito nos seus empreendimentos; dirige o culto, preside o cerimonial e percebe gratificações. Os brâmanes das aldeias exercem freqüentemente um ofício que apresenta alguma relação com certos aspectos rituais, tais como o de barbeiro, astrólogo, lavadeiro etc. Paralelamente a eles, existem numerosos ascetas e eremitas que, nos Estados orientais, se encarregam da propaganda do budismo a partir do momento em que este começa a se expandir.
Os xátrias são os nobres guerreiros; ocupam-se de administração e de política, participam da guerra e são, geralmente, os proprietários territoriais do país. O rei pertence a esta casta, dentro da qual é escolhido devido aos seus direitos hereditários e dinásticos; é eleito pelo povo ou, pelo menos, confirmado por ele, e não parece ter sido entronizado pelos sacerdotes senão mui tardiamente. Seu papel consiste, antes de tudo, em proteger os súditos e manter às suas custas um corpo de sacerdotes para si mesmo e para o povo. Retira suas rendas das propriedades, formadas por florestas e "lugares desertos"; para isto, arrecada um tributo in natura por intermédio de concessionários. Tendo sido inicialmente chefe de clã ou de tribo, reveste-se de crescente importância e põe o seu poderio em evidência por meio de grandes sacrifícios, como o sacrifício do cavalo (asvameda), e por uma entronização solene (rajasuia); seu caráter divino é afirmado desde o início.
A casta dos homens livres abrange os agricultores, os comerciantes e os artesãos; se é verdade que alguns dentre eles chegam a possuir uma fortuna considerável, são, entretanto, sujeitos à talha e à corvéia, servindo de rendeiros aos xátrias, nutrindo-os e acompanhando-os à guerra. Os artesãos e comerciantes agrupam-se em corpo rações, cujos chefes são, freqüentemente, amigos dos nobres.
A casta mais baixa é a dos escravos; abrange ela, no princípio, provavelmente, os descendentes dos aborígines reduzidos à servidão pelos árias; a eles acrescentam-se os indivíduos condenados por dívidas, outros cuja pena foi comutada, prisioneiros de guerra e mesmo homens que voluntariamente se "desencastaram" por espírito de penitência. O sudra é um ser impuro por definição, que pode ser ferido e até mesmo morto à vontade; o estudo do Veda e o acesso ao sacrifício lhe são interditos, mas pode acontecer que consiga enriquecer graças ao trabalho: é possível, então, que se possa resgatar. Percebe-se, não obstante, nesta colocação à margem da lei e nesta dependência que pode levar à morte, uma lembrança de lutas sem quartel movidas contra os aborígines pelas tribos árias da época da conquista.
Assim, apesar de uma certa flexibilidade no sistema social, há uma acentuada tendência à divisão da sociedade por, técnicas e por funções, divisão baseada nas necessidades impostas pelo culto. Tão típica estrutura da vida social hindu está, portanto, prestes a adquirir todas as características com que a encontraremos na época seguinte.


Organização do Estado Védico

Esta sociedade repousa sobre um regime monárquico em que se equilibram três poderes: o do rei, o do sacerdote e o do povo. O poder sagrado e a assembléia do povo (samiti) estão colocados sob a autoridade real, mas de uma maneira que não é absoluta. Um certo número de altos funcionários é nomeado, recrutado entre os xátrias, por vezes entre os vaicias: o chefe de exército (senami), o chefe de aldeia (gramani) que se torna uma espécie de vice-rei, o escudeiro, arauto ou bardo (suta), o camareiro (kchatri), o prefeito (stapati) dotados de poderes judiciários etc.
A assembléia do povo participa do governo; reúne-se num lugar determinado, à sombra das árvores da aldeia ou sob um pórtico recoberto de palha. Nela agrupam-se jovens e velhos, tribos e aldeias; nomeia o conselho dos anciãos e comissões de árbitros, cujas decisões são tomadas por unanimidade.
Administrativamente falando, acha-se o reino dividido em grama (aldeia e horda armada), vis (clã ou cantão) e jana (tribo ou grupo de cantões). Mas estas noções são movediças, e os textos fornecem-nos poucos pormenores a respeito.
O poder executivo é exercido pelo rei, cabendo a uma assembléia popular (saba) ocupar-se de certos julgamentos. O sistema judiciário não está ainda bem definido; não há referência a costumes que serão correntes mais tarde, como a exposição dos pais senis, o abandono das filhas e os colégios das heteras; entretanto, já é praticada a prostituição. O crime está submetido a penalidades, mas estas são impostas e aplicadas pelo lesado, não podendo ele, todavia, em hipótese alguma, aplicar a pena de morte; o preço do sangue humano é avaliado em 100 vacas para um assassínio, mas na época dos brâmanas tal legislação varia segundo a casta considerada. Organizam-se listas de crimes sem que se conheçam exatamente as penalidades correspondentes; em certos casos, castigos corporais eram infligidos pelo rei. O roubo, o assalto, o banditismo, as dívidas são combatidos, e o roubo de gado é de tal modo freqüente que há especialistas para procurar os animais roubados.

in Auboyer, J. "Características da Civilização Védica" in Crouzet, M. História Geral das Civilizações. Lisboa: Difel, 1957. v.2


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